quarta-feira, 21 de março de 2012

BRASIL

Criança morre em Embu (SP) após ir três vezes a PS e ter apendicite negligenciada; MP investiga

Horas depois do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, inaugurar uma UBS (Unidade Básica de Saúde) em Embu das Artes (Grande São Paulo), no último 10 de março, a desempregada Daiana de Lima Rodrigues, 33, moradora do município, recebia a notícia mais triste de sua vida: seu filho Gabriel Vitor de Lima Silva, 7, morria vítima de uma apendicite não diagnosticada pelos médicos do Pronto Socorro Central do município, por onde o garoto passou por três vezes antes de morrer.

O garoto começou a sentir-se mal na madrugada do último dia 5, com fortes dores na região do abdome e vômitos em excesso. Por volta das 6h, a mãe resolveu levar a criança ao PS Central. De acordo com ela, o médico aplicou butilbrometo de escopolamina (remédio usado para aliviar cólicas) na veia do paciente, orientou o garoto a beber bastante água e o liberou.

O relatório médico fornecido pela unidade não cita a aplicação do medicamento e diz que exames clínicos, físicos e complementares diagnosticaram dispepsia (dificuldade de digestão) e abdome agudo (dor no abdome).

No decorrer do dia, como Gabriel voltou a sentir dores e vomitar, além de apresentar febre alta e diarreia, a mãe decidiu levá-lo mais uma vez ao PS, por volta de 16h30. De acordo com o relatório médico, foram solicitados exames complementares --sangue e raio-X--, a criança foi medicada e ficou em observação. A mãe, por sua vez, afirmou desconhecer que seu filho tenha sido medicado e disse que nenhum médico avaliou seu filho até o dia seguinte.

Os resultados dos exames só ficaram prontos às 11h da terça-feira (6) e diagnosticaram infecção no trato urinário, além de dispepsia e abdome agudo. “O médico disse que não era grave, que ele só estava com uma infecção urinária”, diz Daiana.

Por volta das 13h, Gabriel recebeu alta e voltou para casa. Pouco tempo depois, o garoto, em jejum desde a manhã do dia anterior, voltou a sentir dores abdominais e a vomitar quando tentou tomar uma sopa.

A mãe levou novamente o garoto ao PS por volta das 17h. Segundo ela, Gabriel foi atendido pelo mesmo médico, que se assustou quando viu seu quadro de saúde. “Ele disse: ‘como liberaram esse menino; o caso dele é muito grave’. Eu respondi que ele mesmo tinha atendido meu filho”, relembra Daiana.

Em seguida, o garoto foi transferido para o Hospital Geral de Pirajussara (estadual), que fica em Taboão da Serra, vizinho a Embu, onde passou por cirurgia. Segundo o hospital, o garoto deu entrada em “estado muito grave”, “foi submetido a uma cirurgia de emergência e encaminhado à UTI (Unidade de Terapia Intensiva)”. Gabriel não resistiu e morreu cinco dias depois, após sofrer um choque séptico.

“Quando ele chegou ao hospital para cirurgia, o apêndice já tinha estourado. Ele estava cheio de pus pelo corpo”, afirmou a mãe, versão confirmada pelo hospital. Uma das complicações mais comuns em casos de apendicite é a perfuração do apêndice, que provoca o vazamento de fezes e pus para o resto do corpo, provocando infecção generalizada.

“Meu filho era muito saudável, nunca ficava doente. Foi de uma hora para outra. Os irmãos dele ficaram arrasados”, afirma Daiana, que tem mais três filhos de cinco, dez e 13 anos. A mãe de Gabriel trabalhava de gari para a Prefeitura de Embu, mas foi demitida recentemente. O pai do garoto está preso há dez anos. “Ele ficou muito triste, perturbado.”

A secretária de Saúde do município, Sandra Magali, disse que o apendicite é difícil de diagnosticar em crianças e que o tratamento aplicado ao garoto foi correto. “No caso do Gabriel, a apendicite não era exuberante. Ele foi medicado, o quadro clínico melhorou e, quando deixou o PS, estava em bom estado geral.”

Morte de professora

No dia anterior à morte de Gabriel, também no Pronto Socorro Central, a professora Andrea Maria dos Santos, 46, morreu vítima de aneurisma da aorta abdominal. Ela foi levada ao PS pelo marido Nelson Teodoro Gomes e pelo irmão Petterson Assis da Silva, por volta das 19h, se queixando de dores pelo corpo, tontura e fraqueza.

Segundo Petterson, não houve prioridade no atendimento de sua irmã. Já o relatório médico afirma que ela foi medicada às 19h20 e colocada em observação. Em seguida, a professora foi submetida a uma radiografia e levada à UTI. Às 20h, incomodados com a demora no atendimento, os familiares de Andrea solicitaram transferência para o Hospital do Servidor Público Estadual, em São Paulo.

Em seguida, de acordo com Petterson, a médica responsável disse aos familiares que o caso era grave e que a paciente precisava ser transferida para o Hospital Geral de Pirajussara, já que os exames não diagnosticaram o que Andrea tinha e lá havia equipamento de ultrassonografia, necessário para descobrir que o paciente sofria --no PS, não havia o equipamento.

Às 22h40, a transferência para o hospital de Pirajussara foi negada por falta de leitos disponíveis, segundo a Secretaria de Saúde do Estado. Preocupados, os parentes da paciente colocaram-na em um carro particular para levá-la ao hospital do Servidor, na capital. Petterson afirma que, logo no início do trajeto, sua irmã começou a se sentir muito mal, fazendo com que eles retornassem ao PS.

Segundo o relatório médico, a paciente voltou à 0h em estado gravíssimo, em choque. Os médicos, então, por volta de 0h40, colocaram-na em uma ambulância para encaminhá-la a um hospital, mas o procedimento teve que ser interrompido porque Andrea sofreu uma parada cardiorrespiratória. À 1h30, a paciente morreu, após fracassarem todas as tentativas de ressuscitação.

De acordo com Petterson, os profissionais tentaram improvisar uma UTI dentro da ambulância, que não tinha equipamentos de urgência. A direção do hospital, por sua vez, afirma que a ambulância era de UTI e contava com todos os equipamentos responsáveis. A médica responsável por Andrea foi afastada do PS por ter abandonado o atendimento logo após a paciente ser retirada da ambulância. A secretária de Saúde afirmou que a medida também foi para garantir a segurança da médica, já que parentes da professora ameaçaram agredi-la.

A Secretaria de Saúde do Estado afirmou que, em vez de pedir vaga ao hospital Pirajussara --que estava lotado-- os médicos deveriam ter acionado um serviço chamado Cross, que localiza qual hospital mais próximo tem vagas livres. O médico Ricardo Sanches, diretor do pronto-socorro de Embu, disse à reportagem do UOL que o caso de Andrea era gravíssimo. “A artéria aorta é a maior do corpo. Um caso de aneurisma é praticamente irreversível. Não havia mais o que fazer.”

De acordo com a secretaria, o Pronto Socorro Central atende 16 mil pacientes por mês e registra, em média, 15 óbitos mensalmente, taxa de 0,09%, “índice bem aquém do registrado no Estado em serviços de urgência e emergência”, diz Sandra Magali.

Inquérito no MP

Em 2010, o Ministério Público (MP) abriu inquérito para investigar mortes com suspeita de negligência no PS de Embu. No dia 25 de dezembro de 2010, o guarda municipal Aloísio Santos da Silva, 36, morreu após complicações em uma apendicite, em circunstâncias semelhantes às do menino Gabriel.

“Os médicos disseram que era gases e o orientaram a voltar para casa. No dia seguinte, sentindo dores, ele voltou ao PS. Ficou em observação por dois dias. Quando a situação se agravou, foi transferido para o Hospital de Pirajussara para passar por uma cirurgia, mas já era tarde. Não deu tempo nem de ser operado. Morreu em pleno Natal”, afirma o irmão do paciente, Antônio da Silva.

Após os casos de Andrea e Gabriel, a promotoria do município retomou as investigações e pediu que os conselhos regionais de Medicina, Enfermagem, a Vigilância Sanitária e a Polícia Civil façam visitas ao hospital e apurem o ocorrido. O MP está analisando o prontuário dos dois pacientes para decidir que ação tomar. O comitê de ética do PS também analisará as duas mortes.

Na investigação, a promotoria identificou indícios de altas indiscriminadas, que seriam motivadas pela necessidade de liberar vagas diante da demanda elevada. No primeiro semestre de 2011, a prefeitura contratou uma empresa terceirizada --a Medical Service Assessoria e Assistência Médica-- para auxiliar na gestão das unidades de saúde do município e reduzir o tempo de espera do atendimento.

Com mais de 240 mil habitantes, Embu não tem hospital, nem um único leito hospitalar adequado para internações. Os únicos leitos disponíveis --27-- estão no próprio PS Central, que não é destinado a internações. Os casos mais graves são encaminhados ao Hospital de Pirajussara, que fica em Taboão da Serra e atende uma área de quase um milhão de habitantes.

Fonte: uol.com.br

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